Juarez Dayrell *
Uma reflexão sobre a questão do projeto de vida no âmbito da juventude e o papel da escola nesse processo, exige primeiramente o esclarecimento do que se compreende a respeito da categoria juventude, quase sempre considerada um dado da natureza. Acredito que a noção de juventude deve ser entendida, ao mesmo tempo, como uma condição social e uma representação. De um lado, há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo em determinada faixa etária, na qual completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas. Mas a forma como cada sociedade e, no seu interior, cada grupo social vai lidar e representar esse momento é muito variada. Não existe uma juventude, mas sim juventudes, no plural, enfatizando, assim, a diversidade de modos de ser jovem na nossa sociedade. Nesse sentido, se queremos compreender os jovens com os quais atuamos, antes de nada é necessário conhecê-los em sua realidade, descobrindo os diferentes modos pelos quais eles constroem a sua experiência.
A vivência da juventude, desde a adolescência, tende a ser caracterizada por experimentações em todas as dimensões da vida subjetiva e social. O jovem torna-se capaz de refletir e de se ver como um indivíduo que participa da sociedade, recebendo e exercendo influências, fazendo deste o momento por excelência do exercício de inserção social. Esse período pode ser crucial para que ele se desenvolva plenamente como adulto e cidadão, sendo necessários tempos, espaços e relações de qualidade que possibilitem a cada um experimentar e desenvolver suas potencialidades.
É nesse processo, permeado de descobertas, emoções, ambivalências e conflitos, que o jovem se defronta com perguntas como: “quem sou eu?”, “para onde vou?”, “qual rumo devo dar à minha vida?”. Questões cruciais que remetem
à identidade e ao projeto de vida, duas dimensões que aparecem interligadas e são decisivas no processo de amadurecimento.
O projeto de vida pode ser entendido como a ação do indivíduo de escolher um, dentre os futuros possíveis, transformando os desejos e as fantasias que lhe dão substância em objetivos passíveis de serem perseguidos, representando, assim, uma orientação, um rumo de vida. Os projetos podem ser individuais e/ou coletivos; podem ser mais amplos ou restritos, com elaborações a curto ou médio prazo, dependendo do campo de possibilidades. Quer dizer, dependem do contexto sócio- econômico- cultural concreto no qual cada jovem se encontra inserido, e que circunscreve suas possibilidades de experiências. O projeto possui uma dinâmica própria, transformando-se na medida do amadurecimento dos próprios jovens e/ou mudanças no campo de possibilidades.
Um projeto de vida se realiza na junção de duas variáveis. A primeira diz respeito à identidade, ou seja, quanto mais o jovem se conhece, experimenta as suas potencialidades individuais, descobre o seu gosto, aquilo que sente prazer em fazer, maior será a sua capacidade de elaborar o seu projeto.
Quando falamos em identidade, não estamos nos referindo a um “eu” interior natural, como se este fosse uma capa colocada pela sociedade sobre o núcleo interno com o qual nascemos. Ao contrário, estamos falando em uma construção que cada um vai fazendo por meio das relações que estabelece com o mundo e com os outros. A construção da identidade é antes de tudo um processo relacional, ou seja, um indivíduo só toma consciência de si na relação com o Outro. É uma interação social, o que aponta para a importância do pertencimento grupal e das suas relações solidárias para o reforço e garantia da identidade individual. Fica evidente a importância do grupo de amigos, das esferas culturais, das atividades de lazer, da escola, entre outros, como espaços que podem contribuir na construção de identidades positivas.
Outra variável que interfere na elaboração do projeto de vida é o conhecimento da realidade. Quanto mais o jovem conhece a realidade em que se insere, compreende o funcionamento da estrutura social com seus mecanismos de inclusão e exclusão e tem consciência dos limites e das possibilidades abertas pelo sistema na área em que queira atuar, maiores serão as suas possibilidades de elaborar e de implementar o seu projeto. As duas variáveis demandam espaços e tempos de experimentação e uma ação educativa que a possa orientar.
A elaboração de um projeto de vida é fruto de um processo de aprendizagem, no qual o maior desafio é aprender a escolher. Na sociedade contemporânea, somos chamados a escolher, a decidir continuamente, fazendo desta ação uma condição para a sobrevivência social. A escolha também é objeto de aprendizagem: aprendemos a escolher, e a nos responsabilizar pelas nossas escolhas. Um e outro se aprendem fazendo, errando, refletindo sobre os erros. Essas são condições para a formação de sujeitos autônomos. Cabe perguntar: onde nossos jovens estão exercitando, aprendendo a escolher? Quais os espaços que vêm estimulando a formação de jovens autônomos?
É tarefa do mundo adulto e suas instituições garantir aos jovens momentos e situações em que se coloquem como interlocutores, promovendo uma relação intergeracional. As pesquisas vêm evidenciando, porém, que a instituição escolar, principalmente a escola pública, não vem cumprindo este papel. A escola pouco conhece o jovem que a freqüenta, a sua visão de mundo, os seus desejos, o que faz fora da escola. Ao mesmo tempo, predomina uma representação negativa e preconceituosa em relação à juventude. O jovem é visto na perspectiva da falta, da incompletude, da desconfiança, o que torna ainda mais difícil para a escola perceber quem ele é de fato. Mas já existem muitas experiências que apontam para uma nova postura da escola na relação com os jovens, com algumas características que devem ser ressaltadas.
Um primeiro aspecto é reconhecer e lidar com o jovem como sujeito. Implica percebê-lo como realmente é, além da sua condição de aluno. É um indivíduo que ama, sofre, se diverte, pensa a respeito das suas experiências, interpreta o mundo, tem desejos e projetos de vida. Torna-se necessário escutá-los, considerá-los como interlocutores válidos e, na perspectiva do protagonismo juvenil, tomá-los como parceiros na definição de ações que possam potencializar o que já trazem de experiências de vida.
Levar em conta o jovem como sujeito é adequar a escola a uma “pedagogia da juventude”, considerando os processos educativos necessários para lidar com um corpo em transformação, com os afetos e sentimentos próprios dessa fase da vida e com as suas demandas de sociabilidade. Implica também adequar o ritmo dos processos educativos, dinamizando-os com metas e produtos que respondam à ansiedade juvenil por resultados imediatos. É fazer da escola um espaço de produção de ações, de saberes e relações. É acreditar na capacidade do jovem, na sua criatividade e apostar no que ele sabe e quer dominar.
Nessa perspectiva, a escola se torna um centro juvenil, um espaço de encontro, de estímulo à sociabilidade, onde os jovens possam ter a possibilidade de descobrirem-se diferentes dos outros, e principalmente aprender a respeitar estas diferenças. Um espaço de aprendizagem das regras e vivências coletivas e do exercício da participação. Todas esses são aspectos centrais na construção de identidades positivas e na elaboração de projetos de vida.
E aqui vale ressaltar a centralidade da relação dos jovens com seus professores. Estes são a expressão de uma geração adulta, portadora de um mundo de valores, regras, projetos e utopias a ser proposto aos jovens alunos. Cabe a eles se colocarem como interlocutores desses jovens diante de suas crises, dúvidas e perplexidades. Assim, a escola se efetiva como um espaço de interlocução dos jovens com o mundo adulto, contribuindo na construção de referências positivas.
No trabalho com os jovens, a força propulsora tem de ser o desejo. Professores e alunos com desejo de descobrirem novos caminhos, novas relações, novos conhecimentos. O envolvimento dos professores é o primeiro passo para qualquer proposta que pretenda estabelecer um diálogo maior com os jovens alunos, fazendo da escola um espaço onde eles “possam ser mais”, como dizia Paulo Freire. Será reencontrada, assim, a vocação da escola como um espaço de formação humana.
*Juarez Dayrell é professor da Faculdade de Educação da UFMG e coordenador do Observatório da Juventude da UFMG. Artigo publicado na revista Onda Jovem.
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